Ainda que a
Bíblia seja a Palavra de Deus e, como tal, nela não possa haver erro algum,
isso não significa que nela não haja dificuldades. Todavia, como Agostinho
observou com sabedoria: "Se estamos perplexos por causa de qualquer
aparente contradição nas Escrituras, não nos é permitido dizer que o autor
desse livro tenha errado; mas ou o manuscrito utilizado tinha falhas, ou a
tradução está errada, ou nós não entendemos o que está escrito". Os erros
não se acham na revelação de Deus, mas nas falhas interpretações dos homens.
A Bíblia é
isenta de erros, mas os que a criticam não são. Todas as alegações feitas nesse
sentido baseiam-se em erros cometidos pelos próprios críticos. Tais erros
enquadram-se numa das seguintes principais categorias:
Erro número
1: Assumir que o que não foi explicado seja inexplicável.
Nenhuma
pessoa instruída alegaria ser capaz de explicar completamente todas as
dificuldades bíblicas. Contudo, é um erro o crítico pressupor que o que não foi
ainda explicado nunca o será. Quando um cientista se depara com uma anomalia na
natureza, ele não desiste de fazer cuidadosos exames científicos adicionais.
Pelo contrário, ele faz uso daquilo que não foi explicado como uma motivação
para descobrir uma explicação. Nenhum cientista verdadeiro desiste de seu
trabalho, em desespero, simplesmente porque não consegue explicar um dado
fenômeno. Ele continua a fazer pesquisas com a confiante expectativa de
encontrar uma resposta. E a história da ciência tem revelado que tal fé tem
sido recompensada.
Houve
épocas em que os cientistas, por exemplo, não tinham explicação para fenômenos
naturais como os meteoros, os eclipses, os tornados, os furacões e os
terremotos. Todos esses mistérios, porém, renderam os seus segredos à
inabalável perseverança da ciência. Os cientistas ainda não sabem como a vida
pode ocorrer em descargas térmicas nas profundezas do mar, mas nenhum deles se
dá por vencido e grita: "é uma contradição!"
Da mesma
forma, os eruditos cristãos pressupõem que o que até hoje não foi explicado na
Bíblia não é, por isso, inexplicável. Não consideram que discrepâncias sejam
contradições. E, quando encontram algo que não podem explicar, continuam
pesquisando na certeza de que algum dia encontrarão a resposta. Com efeito, se
tivessem uma postura contrária a esta, parariam de estudar.
Por que ir
em busca de uma resposta, quando se pressupõe que ela não exista? Tal como o
cientista, aquele que estuda a Bíblia tem sido recompensado em sua fé e
pesquisa, pois muitas dificuldades para as quais os eruditos não tinham
explicação já foram superadas através da história, da arqueologia, da
lingüística e de outras disciplinas. Os críticos, por exemplo, um dia afirmaram
que Moisés não poderia ter escrito os cinco primeiros livros da Bíblia porque a
escrita ainda não existia na época dele. Agora sabemos que a escrita já existia
alguns milhares de anos antes de Moisés.
De igual
forma, os críticos um dia acreditaram que a Bíblia estivesse errada ao falar
dos hititas (ou heteus), já que esse povo era totalmente desconhecido dos
historiadores. Sua existência, porém, foi comprovada pela descoberta, na
Turquia, de uma biblioteca hitita. Esses fatos nos levam a crer que as
dificuldades bíblicas ainda não resolvidas certamente são explicáveis e que,
portanto, não há que se presumir que existam erros na Bíblia.
Erro número
2: Presumir que a Bíblia é culpada, até prova em contrário.
Muitos
críticos presumem que a Bíblia está errada, até que algo venha provar que ela
está certa. Contudo, como acontece com qualquer cidadão acusado de um crime, a
Bíblia deve ser tida como "inocente", até que haja a prova da culpa.
Isso não é querer dar-lhe nenhum tratamento especial; essa é a forma pela qual
todos os relacionamentos humanos são feitos. Se assim não fosse, a vida não
séria possível. Por exemplo, se presumíssemos que a sinalização de trânsito nas
rodovias ou na cidade não fosse verdadeira, então provavelmente estaríamos mortos
antes de poder provar o contrário.
De igual
modo, se presumíssemos que os rótulos nas embalagens de alimentos fossem
enganosos até prova em contrário, teríamos então de abrir todas as latas e
pacotes antes de comprá-los. E o que dizer se presumíssemos que todos os
números no nosso dinheiro estivessem errados? E se achássemos que estariam
erradas todas as placas nas portas dos sanitários públicos, que indicam o sexo
a que se destinam?! Bem, isto já é o bastante.
Temos de
presumir que a Bíblia, como qualquer outro livro, está nos dizendo o que os
autores disseram e ouviram. As críticas negativas da Bíblia partem de um
pressuposto contrário a este. Não é de se admirar, então, que concluam que a
Bíblia está crivada de erros.
Erro número
3: Confundir as nossas falíveis interpretações com a infalível revelação de
Deus.
Jesus
afirmou que "a Escritura não pode falhar" (Jo 10:35). Sendo um livro
infalível, a Bíblia é também irrevogável. Jesus declarou: "Porque em
verdade vos digo: Até que o céu e a terra passem, nem um i ou um til jamais
passará da lei, até que tudo se cumpra" (Mt 5:18, cf. Lc 16:17). As
Escrituras têm ainda a autoridade final, sendo a última palavra acerca de tudo
que ela aborda. Jesus valeu-se da Bíblia para resistir ao tentador
(Mt4:4,7,10); para resolver discussões doutrinárias (Mt 21:42); e para
sustentar a sua autoridade (Mc 11:17).
Às vezes um
ensinamento bíblico apóia-se num pequeno detalhe histórico (Hb 7:4-10), numa
palavra ou numa frase (At 15:13-17), ou mesmo na diferença entre o singular e o
plural (Gl 3:16). Mas, conquanto a Bíblia seja infalível, as interpretações
humanas não o são. A Bíblia não pode estar errada, mas nós podemos estar
errados quanto a alguma coisa dela. O significado da Bíblia nunca muda, mas a
nossa compreensão pode mudar.
Os seres
humanos são finitos, e seres finitos cometem erros. É por isso que há borrachas
para lápis, corretores líquidos para textos datilografados, e uma tecla
"apaga" nos computadores. E muito embora a Palavra de Deus seja
perfeita (Sl 19:7), enquanto existirem seres humanos imperfeitos, haverá erros
de interpretação das Escrituras e falsos pontos de vista deles decorrentes.
Em vista
disso, não devemos nos apressar em considerar que um determinado preceito
científico hoje amplamente aceito seja a palavra final acerca do ponto em
questão. Teorias que foram predominantemente aceitas no passado são
consideradas incorretas por cientistas do presente. Dessa forma, é de se
esperar que haja contradições entre opiniões populares sobre questões
científicas e as interpretações da Bíblia amplamente aceitas.
Isso,
porém, não consegue provar que há uma real contradição entre o mundo de Deus e
a Palavra de Deus, entre a revelação geral de Deus e a sua revelação especial.
Nesse sentido básico, a ciência e as Escrituras não estão em contradição.
Somente as opiniões humanas, finitas e falíveis acerca da ciência e das
Escrituras é que podem entrar em contradição.
Erro número
4: Falhar na compreensão do contexto da passagem.
Talvez o
erro mais comum dos críticos seja o de tirar um texto de seu próprio contexto.
Como diz o adágio: "um texto fora de contexto é simplesmente um
pretexto". Tudo se pode provar, a partir da Bíblia, por meio desse
procedimento errôneo. A Bíblia diz: "Não há Deus" (SI 14:1). É claro,
que o contexto é: "Diz o insensato no seu coração: 'Não há Deus'".
Alguém poderá afirmar que Jesus nos advertiu: "não resistais ao
perverso" (Mt 5:39), mas o contexto anti-retaliatório em que ele lança
esta proposição não deve ser ignorado. Assim também muitos não compreendem
corretamente o contexto da afirmativa de Jesus, quando ele disse: "Dá a
quem te pede" (Mt 5:42), como se tivéssemos a obrigação de dar uma arma a
uma criancinha que nos pedisse, ou de dar armamentos atômicos a Saddam Hussein
simplesmente por ele ter pedido.
O erro de
não observar que o significado é determinado pelo contexto é, talvez, o
principal pecado daqueles que encontram erros na Bíblia, como os comentários de
numerosas passagens bíblicas neste livro vão ilustrar.
Erro número
5: Deixar de interpretar passagens difíceis à luz das que são claras.
Algumas
passagens das Escrituras são de difícil compreensão. Às vezes a dificuldade é
por serem obscuras. Outras vezes a dificuldade está em que uma passagem parece
estar ensinando algo contrário ao que uma outra parte da Escritura ensina com
clareza. Por exemplo, Tiago parece estar dizendo que a salvação é pelas obras
(Tg 2:14-26), ao passo que Paulo ensinou com toda a clareza que é pela graça
(Rm 4:5; Tt 3:5-7; Ef 2:8-9). Neste caso, Tiago não deve ser interpretado de
maneira a contradizer Paulo. O apóstolo Paulo está falando da justificação
perante Deus (o que é pela fé somente), ao passo que Tiago está se referindo à
justificação perante os homens (que não têm como ver a nossa fé, mas somente as
nossas obras).
Um outro
exemplo encontra-se em Filipenses 2:12, em que Paulo diz: "desenvolvei a
vossa salvação com temor e tremor". Aparentemente isto parece estar
dizendo que a salvação é pelas obras. Contudo, inúmeras passagens das
Escrituras claramente contradizem tal idéia, pois afirmam: "salvos,
mediante a fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus; não de obras, para que
ninguém se glorie" (Ef 2:8-9); "ao que não trabalha, porém crê
naquele que justifica ao ímpio, a sua fé lhe é atribuída como justiça" (Rm
4:5); "não por obras de justiça praticadas por nós, mas segundo sua
misericórdia, [é que] ele nos salvou mediante o lavar regenerador e renovador
do Espírito Santo" (Tt 3:5).
Quando esta
frase de difícil compreensão - "desenvolvei a vossa salvação" - é
entendida à luz dessas passagens tão claras, podemos ver que, qualquer que seja
o significado dela, uma coisa é certa: ela não significa que somos salvos pelas
obras. De fato, o seu significado é encontrado precisamente no versículo
seguinte. Temos de desenvolver a nossa salvação porque a graça de Deus tem
operado em nosso coração. Nas próprias palavras de Paulo: "porque Deus é
quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa
vontade" (Fp 2:13).
Texto
extraído do livro: Manual popular de dúvidas, enigmas e "contradições" da Bíblia.
Autores: Norman Geisler e Thomas Howe.
Editora: Mundo Cristão.
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