Erro
número 6: Basear um ensino numa passagem obscura.
Algumas
passagens da Bíblia são difíceis porque o seu significado é obscuro. Isso
ocorre geralmente porque uma palavra-chave do texto é empregada uma só vez (ou
raramente), e então fica difícil saber o que o autor está dizendo, a menos que
seja possível deduzir o sentido pelo contexto. Por exemplo, uma das passagens
mais conhecidas da Bíblia contém uma palavra que não aparece em lugar algum, em
toda a literatura grega disponível até o tempo em que o NT foi escrito. Esta
palavra aparece no que comumente é conhecido como a "Oração do
Senhor" (Mt 6:11). Geralmente a tradução que temos é "o pão nosso de
cada dia dá-nos hoje". A palavra em questão é a que é traduzida por
"de cada dia", ou seja, o vocábulo grego epiousion. Os estudiosos do
grego ainda não entraram em acordo quanto à sua origem ou quanto ao seu exato
sentido. Diferentes comentaristas têm tentado estabelecer elos com palavras
gregas que são bem conhecidas, e muitas sugestões têm sido propostas quanto ao
seu significado. Entre tais sugestões, temos:
"Nosso
pão incessante dá-nos hoje."
"Nosso
pão sobrenatural (indicando um pão espiritual, do céu) dá-nos hoje."
"O
pão para o nosso sustento dá-nos hoje."
"O
pão nosso de cada dia (ou, o que necessitamos para hoje) dá-nos hoje."
Cada
uma destas propostas tem seus defensores; cada uma faz sentido dentro do
contexto, e cada uma é uma possibilidade, tendo-se por base a limitada
informação disponível. Parece não haver nenhuma razão que nos force a deixarmos
aquela que tem sido a tradução normalmente aceita, mas este exemplo serve muito
bem para ilustrar o ponto em questão. Algumas passagens da Bíblia são difíceis
de se entender porque uma dada palavra-chave aparece uma só vez, ou com muita
raridade.
Outras
vezes as palavras podem estar claras, mas o significado não é evidente porque
não sabemos ao certo a que elas se referem. Isso se dá em 1 Co 15:29, onde
Paulo fala sobre os que se batizavam pelos mortos. Será que ele estava se
referindo ao batismo de pessoas vivas, representando pessoas mortas que não tinham
sido batizadas, e assim assegurando-lhes a salvação (como dizem os mórmons)? Ou
será que ele está se referindo aos que, sendo batizados, entram na igreja para
preencher o lugar dos que partiram? Ou ainda, não seria o caso de ele estar
referindo-se aos crentes sendo batizados "pelos mortos" no sentido de
"suas próprias mortes, sendo enterrados com Cristo"? Ou, quem sabe,
poderia estar dizendo alguma outra coisa?
Quando
não temos certeza, então temos de ter em mente algumas coisas. Primeiro, não
devemos construir uma doutrina com base numa passagem obscura. A regra prática
na interpretação bíblica é: "as coisas principais são as coisas claras, e
as coisas claras são as coisas principais". Chamamos a isso de
perspicuidade (clareza) das Escrituras. Se algo for importante, isso será
ensinado nas Escrituras de forma bem clara, § provavelmente em mais de um
lugar.
Segundo,
quando uma dada passagem não está clara, não devemos nunca supor que ela esteja
ensinando o contrário do que uma outra parte nos ensina com muita clareza. Deus
não comete erros na sua Palavra; mas nós podemos cometer erros ao tentarmos
interpretá-la.
Erro
número 7: Esquecer-se de que a Bíblia é um livro humano, com características
humanas.
Exceto
pequenas seções, tal como os Dez Mandamentos, que foram escritos "pelo
dedo de Deus" (Êx 31:18), a Bíblia não foi verbalmente ditada. Seus escritores não foram secretários do
Espírito Santo. Eles foram autores humanos, que empregaram estilos literários
próprios, com suas próprias idiossincrasias, ou seja, com o seu jeito de ver as
coisas. Esses autores humanos às vezes tomaram informações de fontes humanas
para o que escreveram (Js 10:13; At 17:28; 1 Co 15:33; Tt 1:12). De fato, cada
livro da Bíblia é uma composição feita por um escritor humano; foram cerca de quarenta autores.
A
Bíblia evidencia também estilos literários humanos diferentes; da métrica
melancólica de Lamentações até a exaltada poesia de Isaías; da gramática
elementar de João ao complexo grego do livro de Hebreus. As Escrituras
manifestam ainda perspectivas humanas. No Salmo 23, Davi falou do ponto de
vista de um pastor. Os livros de Reis foram escritos tendo uma abordagem
profética, e Crônicas, a partir de um ponto de vista sacerdotal. Atos manifesta
um enfoque histórico, e 2 Timóteo, o coração de um pastor.
Os
escritores bíblicos escreveram sob a perspectiva de um observador quando se
referiram ao nascer do sol (Js 1:15) ou ao pôr-do-sol. Eles também revelam
padrões humanos de pensamento, inclusive lapsos de memória (1 Co 1:14-16), bem
como emoções humanas (Gl 4:14). A Bíblia revela interesses humanos específicos.
Por exemplo, Oséias possuía um interesse rural, Lucas, uma preocupação médica,
e Tiago, um amor pela natureza.
Como
Cristo, a Bíblia é completamente humana, mas mesmo assim sem erros. Esquecer-se
da humanidade das Escrituras pode levar-nos a impugnar falsamente sua
integridade por esperarmos um nível de expressão maior do que é o usual num
documento humano. Isso vai ficar mais claro quando abordarmos os próximos erros
em que incidem os críticos.
Erro
número 8: Assumir que um relato parcial seja um relato falso.
Com
freqüência, os críticos tiram conclusões precipitadas com respeito a um relato
parcial, tomando-o como falso. Entretanto, não é bem assim. Do contrário, quase
tudo o que se tenha dito seria falso, já que poucas vezes há tempo e espaço
suficientes para uma abordagem completa.
Ocasionalmente,
a Bíblia expressa a mesma coisa de diferentes modos, ou pelo menos de
diferentes pontos de vista, em tempos distintos. Portanto, a inspiração não
exclui diversidade de expressão. Cada um dos quatro autores do Evangelho relata
a mesma história de uma maneira diferente, para um grupo diferente de pessoas,
e às vezes citam o mesmo incidente com palavras diferentes. Compare, por
exemplo, aquela famosa confissão de Pedro no Evangelho segundo:
Mateus:
"Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo" (16:16).
Marcos:
"Tu és o Cristo" (8:29).
Lucas:
"És o Cristo de Deus" (9:20).
Até
mesmo os Dez Mandamentos, os quais foram escritos "com o dedo de
Deus" (Dt 9:10), quando entregues, pela segunda vez, apresentam-se com
variações (compare Êx 20:8-11 com Dt 5:12-15). Há muitas diferenças entre os
livros de Reis e de Crônicas nas descrições que eles fazem dos mesmos eventos;
contudo, não incidem em nenhuma contradição nos acontecimentos que narram. Se
expressões assim tão importantes puderam ser feitas de maneiras diferentes,
então não há por que o restante das Escrituras ter de expressar a verdade
apenas de uma forma literal e inflexível em sua abordagem.
Erro
número 9: Exigir que as citações do Antigo Testamento feitas no Novo Testamento
sejam sempre exatas.
Os
críticos com freqüência apontam para as variações ocorridas quando o NT cita
passagens do AT, como provas de erro. Entretanto, se esquecem de que uma
citação não tem de ser uma repetição exata do que está escrito. Era então, como
é hoje, perfeitamente aceitável o estilo literário que dá a essência de uma
afirmação ou pensamento, sem que se empregue precisamente as mesmas palavras.
Um mesmo significado pode ser transmitido sem o uso das mesmas expressões
verbais.
As
variações que ocorrem nas citações de textos do AT feitas no NT enquadram-se em
diferentes categorias. Às vezes é outra pessoa que está falando. Por exemplo,
Zacarias registra que o Senhor está dizendo: "olharão para mim, a quem
traspassaram" (Zc 12:10). Quando isto é citado no NT, é João - e não Deus
- que está falando: "verão aquele a quem traspassaram" (Jo 19:37).
Outras
vezes os escritores do NT citam apenas uma parte do texto do AT. Jesus fez isso
quando esteve na sinagoga da cidade de Nazaré (Lc 4:18-19/ citando li 61:1-2).
De fato, ele parou no meio de uma sentença. Se tivesse ido mais além, Jesus não
poderia ter dito o que disse em seguida: "Hoje, se cumpriu a Escritura que
acabais de ouvir" (v. 21). É que, precisamente, a continuação daquela
frase - "e o dia da vingança do nosso Deus" - é uma referência à sua
segunda vinda.
Algumas
vezes, o NT parafraseia ou resume um texto do AT (por exemplo, Mt 2:6). Outras
vezes, mistura dois textos em um (Mt 27:9-10). Ocasionalmente, uma verdade
geral é mencionada sem a citação de um texto específico. Por exemplo, Mateus
diz que Jesus mudou-se para Nazaré "para que se cumprisse o que fora dito,
por intermédio dos profetas: Ele será chamado Nazareno" (Mt 2:23). Note
que Mateus não cita um determinado profeta, mas sim "profetas" em
geral, de modo que seria inútil insistir na procura de um determinado texto do
AT em que esta profecia fosse encontrada.
Também
há momentos em que o NT aplica um texto de um modo diferente em relação ao AT.
Por exemplo, Oséias aplica "do Egito chamei o meu filho" à nação
messiânica e Mateus, ao produto daquela nação, o Messias (Mt 2:15 e Os 11:1).
Em caso algum, porém, o NT interpreta de forma errada ou não aplica
corretamente o AT, nem ainda tira qualquer conclusão do que não esteja presente
naquele texto. Em resumo, o NT não comete erros quando cita o AT, como acontece
quando os críticos citam o NT.
Erro
número 10: Assumir que diferentes narrações sejam falsas.
Pelo
simples fato de divergirem entre si duas ou mais narrações do mesmo
acontecimento, isso não significa que elas sejam mutuamente exclusivas. Por
exemplo, Mateus (28:5) diz que havia um anjo junto ao túmulo de Jesus depois da
ressurreição, ao passo que João nos informa de que havia dois (20:12). Não há,
porém, nenhuma contradição. De fato, há uma infalível regra matemática que
facilmente explica este problema: onde quer que haja dois, sempre há um - e
nisso não existe erro! Mateus não diz que havia apenas um anjo. É necessário
acrescentar a palavra "apenas" no registro dele para fazê-lo entrar
em contradição com o de João. Mas, se o crítico vem até a Bíblia para mostrar
os erros dela, então o erro não está na Bíblia, mas sim no crítico.
De
igual forma, Mateus (27:5) nos informa de que Judas enforcou-se. Mas Lucas diz
que Judas, "precipitando-se, rompeu-se pelo meio, e todas as suas
entranhas se derramaram" (At 1:18). Uma vez mais, estes dois relatos
diferem entre si, mas não são mutuamente exclusivos. Se Judas enforcou-se numa
árvore à beira de um penhasco, e se o seu corpo caiu em pontudas rochas
embaixo, então suas entranhas se derramaram para fora, da maneira como tão bem
Lucas descreve.
Texto extraído do livro: Manual popular de dúvidas, enigmas e "contradições" da Bíblia.
Autores: Norman Geisler e Thomas Howe.
Editora: Mundo Cristão.